sexta-feira, 29 de maio de 2009

"Maria", José Afonso

Maria
Nascida no monte
À beira da estrada
Maria
Bebida na fonte
Nas ervas criada

Talvez
Que Maria se espante
De ser tão louvada
Mas não
Quem por ela se prende
De a ver tão prendada

Maria
Nascida no trevo
Criada no trigo
Quem dera
Maria que o trevo
Casara comigo

Maria
De todos a primeira
De todas menina
Maria
Soubera a cigana
Ler a tua sina

Não sei
Se deveras se engana
Quem demais se afina
Maria
Sol da madrugada
Flor de tangerina

José Afonso


Recolha colectiva dos formandos deste curso e da Formadora de Linguagem e Comunicação

quinta-feira, 21 de maio de 2009

"Quando eu morrer", Mário de Sá-Carneiro

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos altos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaças e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa
E eu quero por força ir de burro!

Sá-Carneiro, Mário de in Fanha, José, Letria, José Jorge(org.)- Cem Poemas Portugueses do Riso e do Maldizer. Cascais: Ed. Terramar,2008,p.74

Recolha de Isaura Pereira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"AS FONTES", Sebastião da Gama

Havia fontes na montanha.
Mas estavam fechadas.
Ignoradas,
beijavam só as vaias da montanha.

Ora um dia
não sei que vento passou
que me ensinou
aquelas fontes que havia.

Eu tinha mãos e mocidade;
só não sabia pra quê.
Fez-se nesse momento claridade.

Rasguei o ventre dos montes
e fiz correr as fontes
à vontade.

Então
veio quem tinha sede e quem não tinha.
De todas as aldeias
vieram, cantando, as moças
encher as bilhas.
E eu fui também cantando ao som das águas...

Cantava as minhas mãos, cantava as fontes.
Era um canto jucundo,
cheio de sol.
Mas a meio da nota mais alegre
muita vez uma lágrima nascia.

(Ai quantos, quantos,
minha canção tornava mais conscientes
da sua melancolia
sem remédio!
Ai a mágoa
que lhes era meu hino!
Ai o insulto desumano
à sua melancolia!)

Era a meio do canto que surgia
seu travo amargo...

Mas, a meu lado, as águas
iam matando a sede de quem vinha...


Gama,Sebastião - Cabo da Boa Esperança. Lisboa:Editora Ática,s/d pp.22-24

Recolha de Sidónio Vieira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Passei toda a noite, sem dormir", Alberto Caeiro

VI

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só pensar [n]ela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.


Alberto Caeiro





Caeiro , Alberto - Poesia. Lisboa: Assírio & Alvim,2004,p.96

Recolha de Isaura Pereira

"Raízes", Jorge Sousa Braga

Quem me dera ter raízes,
que me prendessem ao chão.
Que não me deixassem dar
um passo que fosse em vão.

Que me deixassem crescer
silencioso e erecto,
como um pinheiro de riga,
uma faia ou um abeto.

Quem me dera ter raízes,
raízes em vez de pés.
Como o lódão, o aloendro,
o ácer e o aloés.

Sentir a copa vergar,
quando passasse um tufão.
E ficar bem agarrado,
pelas raízes, ao chão.

Braga, Jorge Sousa - Herbário. Lisboa: Assírio & Alvim,2007,p.26

Recolha de João Fernandes

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Mulher", Yvette K. Centeno

quando o ventre é o mar
quando o ventre é a água
salgada
numa boca
quando o ventre é a fonte
quando o ventre é a forca

Centeno, Yvette K. in Fanha, José, Letria,José Jorge (org.)- Cem Poemas Portugueses no Feminino. Cascais: Ed. Terramar,2005

Recolha de Olga Pereira

*Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Seus Olhos" , Almeida Garrett

Seus olhos - se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou-
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.

Divino, eterno!- e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, um só momento que a vi,
Queimar toda a alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão cinza em que ardi.


Garrett, Almeida in Fanha, José, Letria, José Jorge (org.) - Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade. Cascais: Ed. Terramar,2004,Pág. 47

Recolha de Ricardo Pinto

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Despedidas ao Tejo", Bocage

Não mais, ó Tejo meu, formoso e brando.
À margem fértil de gentis verdores,
Terás d'alta Ulisseia um dos cantores
Suspiros no áureo metro modulando:

Rindo não mais verá, não mais brincando
Por entre as ninfas, e por entre as flores,
O coro divinal dos nus Amores,
Dos Zéfiros azuis o afável bondo:

Co'a fronte já sem mirto, e já sem louro,
O arrebata de rojo a mão da Sorte
Ao clima salutar, e à margem de ouro:

Ei-lo em fragas de horror, sem luz, sem morte,
Soa daqui, dali piado agouro;
Sois vós, desterro eterno, ermos da morte!


Bocage, Manuel Maria Barbosa du in Fanha, José, Letria, José Jorge (org.) - Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade. Cascais: Ed. Terramar,2004,Pág. 41

Recolha de Ricardo Pinto

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Desci dos celestes coros", Júlio Dinis

Desci dos celestes coros,
Por Deus mandada a escutar
Da infância as queixas e os choros,
para lhos ir confiar.

Desci.Na terra nos mares,
Tanta miséria encontrei,
Que os meus magoados olhares.
Da terra e mar desviei.

Desci.E tantos gemidos.
Tão dolorosos ouvi!
Que, turbados os sentidos,
Quis recuar...mas desci.

(...)

Dinis, Júlio - A Morgadinha dos Canaviais. Mem-Martins: Ed. Europa-América,1973, p.180

Recolha de Arnaldina Moreira


* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"O burro de Loulé", Eugénio de Andrade

Era um burro muito burro,
ou melhor, era pateta,
pois vinha de Loulé,
sem ser coxo nem perneta,
sempre,sempre sobre um pé.


Andrade, Eugénio - Aquela nuvem e outras. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2005 ,pág. 5

Recolha de João Fernandes

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"A música na origem do Mundo"

Muitas teorias sobre o nascimento do cosmos, na antiguidade, estabeleciam uma íntima relação entre a música e a divindade, desde os mitos da Mesopotânia até ao filósofo Platão,que, no "Timeu", coloca a hipótese da existência de uma música celeste produzida pelo movimento orbital dos planetas. (...)Há um mito sumério que narra a luta entre um deus bom, Manduk, e o dragão Tiamat. O cadáver de Timat deu origem a abóbada celeste(o céu)e a Terra.


Catucci, Stefano - História da Música. Porto: Porto Ed., 2001,p.13 (texto com supressões e adaptações)

Recolha de José Augusto Gaspar

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Despondency", Antero de Quental

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade...
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram...

Deixá-la ir, a vela que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram...

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa...

Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo... e a última esperança...
E a vida... e o amor... deixá-la ir, a vida!

Antero de Quental



Recolha de Jorge Silva

"Canção de Embalar Bonequinhas Pobres", Matilde Rosa Araújo

Menina dos olhos doces
Adormece ao meu cantar:
Tenho menina de trapos,
Tenho uma voz de luar...


Os meus braços são da lua,
Quando ela é quarto cescente:
Dorme menina de trapos,
Meu pedacinho de gente.


Dorme minha filha triste,
Meu farrapo de menina,
Dorme, porque eu sou a nuvem
que te serve de cortina.


Menina dos olhos doces
Adormece ao meu cantar:
Tenho menina de trapos,
Tenho uma voz de luar...

Araújo, Matilde Rosa - Livro da Tila. Coimbra: Atlântida Editora, 1973, p. 23

Recolha de Manuel Mendes

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Nunca fala da Vida", Sebastião da Gama

Nunca fala da Vida
sem que entristeça...

- Mas as flores que morrem
nascem outra vez...

Mas pela ardentia
zunem as cigarras...

Mas aquela moça
traz no ventre um filho...

Mas das folhas secas
que há pelo Outono

(de olhá-las a gente
quase entristecia)

já ninguém se lembra,
quando é Primavera...

Gama, Sebastião da - Cabo da Boa Esperança. Lisboa:Edições Ática,s/d, p.17

Recolha de Sidónio Vieira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"A BELEZA E A BONDADE", Manuel Francisco Rodrigues

A beleza encanta e fascina,
enchendo de amor o Mundo
e de doçura os corações.

A beleza de uma oração...
A beleza de um quadro precioso...
A beleza de uma jóia rara...

A beleza de uma escultura viva,
o perfume de uma flor,
o cintilar de uma estrela...

A beleza do clarão da aurora,
a despedida silenciosa do ocaso,
ou a música sem fim da Via Láctea...

A beleza da palavra bem delineada,
a beleza de um olhar doce,
a beleza de uma forma gentil...

A beleza da harmonia,
a beleza do ritmo e da suavidade,
a beleza que torna possível o perfeito...

............................................

Mas toda a forma de beleza parece fria
e até talvez nem sequer exista
independentemente de quem a aprecia...
Porém se for emoldurada pela bondade,
então torna-se tão cristalina,
tão visível e convincente,
que até quem não a sente
a estima e gosta dela,
pressentindo que a beleza é mais bela
se, com a bondade e por ela
for como na escuridão
a luz da chama da vela.

Rodrigues, Manuel Francisco - A Estrada do Tempo. Porto: Ed. do Autor, 1967, pp. 98-99.

Recolha de Manuel Silva

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Lá vai outra vez o gato maltês", Eugénio de Andrade

Lá vai outra vez
o gato maltês
a comer atrás
da franga pedrês

Andrade, Eugénio - Aquela nuvem e outras. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2005,pág.12

Recolha de João Fernandes

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Saudades", D. Francisco Manuel de Melo

Serei eu alguma hora tão ditoso,
Que os cabelos, que amor laços fazia,
Por prémio de o esperar, veja algum dia
Soltos ao brando vento buliçoso?


Verei os olhos, donde o sol formoso
As portas da manhã mais cedo abria,
Mas, em chegando a vê-los, se partia
Ou cego, ou lisonjeiro, ou temeroso?


Verei a limpa testa, a quem a Aurora
Graça sempre pediu? E os brancos dentes,
por quem trocara as pérolas que chora?

Mas que espero de ver dias contentes,
Se para se pagar de gosto uma hora,
Não bastam mil idades diferentes?

Melo, D. Francisco Manuel de in Pedrosa,Inês (org.)Poemas de Amor - Antologia de poesia portuguesa. Lisboa: Pub. D. Quixote, 2001, p.62

Recolha de Ricardo Pinto

"Somos do país do sim", Maria Judite de Carvalho

Somos do país do sim
o da tristeza em azul,
tudo o que existe é assim
neste sul.

Mostramos o sol e o mar
E vendemo-lo a quem tem,
Para podermos aguentar
O que vem.

Ah,país do fato preto,
Meu país engravatado
Do grande amor em soneto
Da grande desgraça em fado.

Carvalho,Maria Judite de in Fanha, José e Letria,José Jorge (org.) - Cem Poemas Portugueses sobre Portugal e o Mar,Cascais:Ed. Terramar,2007,p.151

Recolha de Olga Pereira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Caminho", José Saramago

Há mentiras de mais e compromissos
(Poemas são palavras recompostas)
E por tantas perguntas sem respostas
Mascara-se a verdade com postiços.


Não vida, nem sombra, nem razão
É jaula de doidice furiosa,
Eriçada de gritos, angulosa,
Com estilhaços de vidro pelo chão.


É carrego de mais esta jornada
E protestos não servem, nem suores,
Já mordidos os membros de tremores,
Já vencida a bandeira e arrastada.


Depois se me apagaram os amores
Que a viagem fizeram desejada.


Saramago, José in Fanha, José, Letria, José Jorge (org.)- Cem Sonetos Portugueses.Cascais: Ed. Terramar,2007,p. 113

Recolha de Isaura Pereira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Morte, Juízo, Inferno e Paraíso", Bocage

Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz,penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhões adoro e beijo.


Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais,menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.


Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d`alma a paz e o riso,
Sendo só meu sustento os meus cuidados;


E, de todo apagada a luz do siso,
Esquece-me(ai de mim!) por teus agrados
Morte,Juízo,Inferno e Paraíso.


Bocage, Manuel Maria Barbosa du - Sonetos de Bocage.Lisboa: ed. Unibolso,s/d, pag.80

Recolha de Sílvia Moreira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"As couves", Jorge Sousa Braga

Couve de bruxelas
Couve lombarda
Couve-galega
Couve roxa
Couve-flor...

Porque é que nunca houve
ninguém que lhe fizesse
um poema de amor?


Braga, Jorge Sousa - Herbário. Lisboa: Assírio & Alvim,2007,p.33

Recolha de João Fernandes

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"As patas de cavalo", Jorge Sousa Braga

Não patas, são pegadas
que um cavalo, em lugar
de deixar gravadas no chão,
deixou gravados no ar.

Recolha de João Fernandes

Braga, Jorge Sousa - Herbário. Lisboa: Assírio & Alvim,2007,p.9



*Obra do acervo da Biblioteca desta escola

quarta-feira, 20 de maio de 2009

"A Sequóia"

Ela é muito, muito velha,
mas está bem conservada.
Ela é tão grande, tão grande,
que não cabe nesta quadra.



Braga, Jorge Sousa - Herbário. Lisboa: Assírio & Alvim,2007,p.28

Recolha de João Fernandes

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"O Apanha-Moscas", Jorge Sousa Braga

Ela come, come tudo,
come tudo o que apanhar!
mas do que ela mais gosta,
ao almoço ou ao jantar,
é de uma boa mosca!

Ela come, come tudo,
até come uma mosca inteira,
nem que seja varejeira,
num abrir e fechar os olhos!


Braga, Jorge Sousa - Herbário. Lisboa: Assírio & Alvim,2007,p.16

Recolha de João Fernandes

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Branca estais e colorada", Gil Vicente

Branca estais e colorada
Virgem sagrada
Em Belém, vila de amor
da rosa nasceu a flor
Virgem sagrada!
Em Belém, vila de amor
nasceu a rosa do rosal,
Virgem sagrada!
Da rosa nasceu a flor
para nosso Salvador:
Virgem sagrada!
Nasceu a rosa do rosal,
Deus e homem natural:
Virgem sagrada!



Gil, Vicente in Andresen, Sophia de Mello Breyner(org.) - Primeiro Livro de Poesia.Lisboa:Editorial Caminho,1997, p. 15.

Recolha de Jorge silva

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Café/XXII ", José Gomes Ferreira

Bati com o pé no deserto
e não nasceu uma fonte...

Toquei numa rocha
e não se cobriu de açucenas...

Beijei uma árvore
e o enforcado não ressuscitou...

Amaldiçoei a paisagem
e não secaram as raízes...

Digam-me lá: para que diabo serve ser poeta?
(os Santos são mais felizes.)


Ferreira, José Gomes in Fanha, José, Letria (org.) - Cem Poemas Portugueses do Riso e do Maldizer. Cascais: Ed. Terramar, 2003,pág. 91

Recolha de Elisabete Teixeira e Ricardo Pinto

* Obra do acervo da biblioteca desta escola

"A Palavra", Miguel Torga

S. Martinho de Anta, 13 de Abril de 1965

Falo da natureza.
E nas minhas palavras vou sentindo
A dureza das pedras,
A frescura das fontes,
O perfume das flores.
Digo, e tenho na voz
O mistério das coisas nomeadas.
Nem preciso de as ver,
Tanto as olhei,
Interroguei,
Analisei
E referi, outrora,
Que nos próprios Sinais com que as marquei
As reconheço agora.


Torga,Miguel - Antologia Poética. Lisboa: Pub. D. Quixote, 2001, p.378.

Recolha de Jorge Silva

"Ó Sino da Minha Aldeia", Fernando Pessoa

Ó sino da minha aldeia
dolente na tarde calma,
cada tua badalada
soa dentro da minha alma...


E é tão lento o teu soar,
tão como triste da vida,
que já a primeira pancada
tem o som de repetida.


Por mais que me tanjas perto,
quando passo, sempre errante,
és para mim como um sonho,
soas-me na alma distante.


A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
sinto o passado mais longe,
sinto a saudade mais perto...


Pessoa, Fernando in Fanha, José, Letria, José Jorge - Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade. Cascais: Ed.Terramar,2004, pág.81.

Recolha de Manuel Mendes

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Amor que morre", Florbela Espanca

O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos para partir.

E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir!

Espanca, Florbela - Poesia Completa. Lisboa: Pub. D. Quixote, 2000, p.380.

Recolha de Jorge Silva

"Logo que Nasci", Natércia Freire

Logo que Nasci
Foi-me dada ordem
De me procurar
Logo assim e aqui
Não vou ter descanso
Em nenhum lugar

Freire, Natércia in Fanha, José, Letria, José Jorge - Cem Poemas Portugueses no Feminino. Cascais: Ed.Terramar,2005, pág.52.

Recolha de Olga Pereira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Este livro que vos deixo ", António Aleixo

Quando não tenhas à mão
outro livro mais distinto,
lê estes versos que são
filhos das mágoas que sinto.

Compreendo que envelheci
e que daqui já não passo
como não passam daqui
as pobres quadras que faço.

Julgam-me mui sabedor;
é tam grande o meu saber
que desconheço o valor
das quadras que sei fazer.


Recolha de Manuel Silva

Aleixo, António - Este livro que vos deixo. Lisboa: Direcção-Geral da Educação Permanente, 1976, pág.21

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Soneto do Amor impossível" , Jorge Amado

A Andorinha sinhá
A Andorinha sinhá
Andorinha bateu asas
e voou

vida triste minha vida,
não sei cantar nem voar,
não tenho asas nem penas
não sei soneto escrever.

Muito amo a Andorinha,
com ela quero casar.
Mas a Andorinha não quer,

Comigo casar não pode
porque sou Gato Malhado,
ai!)

Amado, Jorge - Gato Malhado e Andorinha Sinhá: Uma História de Amor. Lisboa:Pub. D. Quixote, 2001, pág. 60

Recolha de Arnaldina Moreira

* Obra do acervo da Biblioteca da escola

"Mar Português", Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
para que fosse nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena,
se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador,
tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
mas nele é que espelhou o céu.


Pessoa, Fernando in Fanha, José, Letria, José Jorge- Cem Poemas Portugueses sobre Portugal e o Mar.2007, Cascais: Ed. Terramar, p. 73

Recolha de Ricardo Pinto e Elisabete Teixeira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

Música, Raízes e Religião






As Raízes da Musica

A música é tão antiga quanto a história do homem e está ligada à origem das suas actividades fundamentais: a comunicação e a linguagem.Não existe nenhuma civilização que não tenha manifestado interesse pelo canto, pela dança ou pela invenção de Instrumentos músicais, mesmo que rudimentares.



Música e Religião
Antes de se tornar uma forma de arte, como aconteceu no mundo moderno, a música fez parte, durante séculos, de todos os rituais mais importantes da vida social, dentre os quais ocuparam lugar central a religião e as suas cerimónias.

Catucci, Stefano - História da Música. Porto: Porto Ed., 2001, pp. 8, 12

Recolha de José Augusto Gaspar

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Gato que brincas na rua", Fernando Pessoa

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes
Que tens intintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.


Pessoa, Fernando - Obras Completas. Porto: Lello Editores, 1986.

Recolha de Manuel Mendes e João Fernandes

"A Nau Catrineta", Popular

Lá vem a nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide agora, senhores,
uma história de pasmar.


Passava mais de ano e dia
que iam na volta do mar,
já não tinham que comer,
já não tinham que manjar.
Deitaram sola de molho
para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
que a não puderam tragar.
Deitaram sortes à ventura.
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.


- «Sobe,sobe Marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal.»
-«Não vejo terras d'Espanha,
Nem praias de Portugal;
vejo sete espadas nuas
que estão para te matar.»
- «Acima,acima gajeiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal.»
- «Alvíssaras,capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal.
Mais enxergo três meninas,
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar."

- "Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-se casar."

- "A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar."

- "Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar."

- "Não quero o vosso dinheiro
Pois vos custou a ganhar."

- "Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual."

- "Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar."

- "Dar-te-ei a Nau Catrineta,
Para nela navegar."

- "Não quero a Nau Catrineta,
Que a não sei governar."

- "Que queres tu, meu gageiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?"

- "Capitão, quero a tua alma,
Para comigo a levar!"

- "Renego de ti, demónio,
Que me estavas a tentar!
A minha alma é só de Deus;
O corpo dou eu ao mar."

Tomou-o um anjo nos braços,
Não no deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;

E à noite a Nau Catrineta
Estava em terra a varar.

ROMANCE POPULAR
Portugal

Andresen, Sophia de Mello Breyner (org.) - O Primeiro Livro de Poesia. Lisboa: Ed. Caminho,1997,p.38


Recolha de Elisabete Teixeira e Sílvia Moreira


*Obra pertencente ao acervo da Biblioteca desta escola

quinta-feira, 14 de maio de 2009

TOP MUSIC - O NOSSO VENCEDOR...




Esta foi a nossa vencedora no concurso TOP MUSIC IN ENGLISH!

"Não Vale a Pena Pisar", Manuel Rui

O capim não foi plantado
nem tratado,
e cresceu. É força
tudo força
que vem da força da terra.
Mas o capim está a arder
e a força que vem da terra
com a pujança da queimada
parece desaparecer.
Mas não! Basta a primeira chuvada
para o capim reviver.

Rui, Manuel in Andresen, Sophia de Mello Breyner (org.) - Primeiro Livro de Poesia.Lisboa: Ed. Caminho, 1997, p.116.

Recolha de Elisabete Teixeira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

"Amoras", Eugénio de Andrade

As amoras

O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Andrade, Eugénio - Poesia. Porto:Fundação Eugénio de Andrade,2000.

Recolha colectiva dos formandos do curso