quinta-feira, 21 de maio de 2009

"AS FONTES", Sebastião da Gama

Havia fontes na montanha.
Mas estavam fechadas.
Ignoradas,
beijavam só as vaias da montanha.

Ora um dia
não sei que vento passou
que me ensinou
aquelas fontes que havia.

Eu tinha mãos e mocidade;
só não sabia pra quê.
Fez-se nesse momento claridade.

Rasguei o ventre dos montes
e fiz correr as fontes
à vontade.

Então
veio quem tinha sede e quem não tinha.
De todas as aldeias
vieram, cantando, as moças
encher as bilhas.
E eu fui também cantando ao som das águas...

Cantava as minhas mãos, cantava as fontes.
Era um canto jucundo,
cheio de sol.
Mas a meio da nota mais alegre
muita vez uma lágrima nascia.

(Ai quantos, quantos,
minha canção tornava mais conscientes
da sua melancolia
sem remédio!
Ai a mágoa
que lhes era meu hino!
Ai o insulto desumano
à sua melancolia!)

Era a meio do canto que surgia
seu travo amargo...

Mas, a meu lado, as águas
iam matando a sede de quem vinha...


Gama,Sebastião - Cabo da Boa Esperança. Lisboa:Editora Ática,s/d pp.22-24

Recolha de Sidónio Vieira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

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